Por Guilherme Pio
01 de maio de 2024
Dune: parte II é o mais recente filme realizado por Denis Villeneuve, brilhante cineasta canadiano, criador de histórias sui generis, capazes de deixar o espetador perplexo. Esta nova obra não foge à exceção, sendo mais um importante marco na carreira do realizador.
Repleto de action scenes arrepiantes, engrandecidas pela cinematografia de Greig Fraser, e elevado por uma história fascinante, com representações, momentos e personagens que ficam presas na memória, Dune: parte II é uma narrativa que pode apelar aos interesses de um estudante de Relações Internacionais – como apelou a mim. São imensas as associações que um internacionalista consegue fazer entre o filme e as variadas matérias que estuda, o que lhe leva à possibilidade de analisar a realização de Denis de uma forma distinta, porventura mais interessante.
Arrakis, o Heartland de Dune:
“He who controls the spice controls the universe” é a frase que dá início às 2 horas e 46 minutos de ação nonstop, repleta de conflitos e guerra, e que coloca em oposição dois Estados ideologicamente antagónicos. Estas “casas” (denominação sinónima de “Estado” no filme), almejam controlar a produção de uma especiaria, apenas existente num planeta desértico e peculiar, Arrakis, que no mundo Sci-fi de Dune apresenta uma importância muito significativa.
De facto, é esta especiaria que, na história, permite a realização de viagens intergalácticas, parte fulcral das dinâmicas existentes no filme, e o fator que permite às “casas” projetar poder pelo espaço. Assim, é caso para se dizer que o domínio de Arrakis capacita os Estados de deter em sua posse a especiaria, que por sua vez os possibilita de dominar o universo.
Aqui, estabelece-se um claro paralelismo com a teoria geopolítica de John Mackinder, geógrafo e político britânico defensor do conceito Heartland, a área compreendida no espaço euro-asiático, que estabelecia que quem – entenda-se a potência mundial – o controlasse, teria capacidades de dominar todo o mundo “Who controls the Heartland controls the world”.
Lógicas colonialistas e domínio imperial:
Arrakis não é um planeta desabitado, o que cria complicações para as “casas”. Os Fremen, uma população bastante numerosa, habitam os vários locais do deserto, em cidades construídas debaixo das dunas. Este grupo, que se opõe à exploração dos seus territórios e da especiaria que lhes pertence, não possui poder suficiente para evitar a superioridade dos outsiders, e acaba por se subjugar aos seus interesses, numa relação de explorador-explorado.
Os Fremen tornam-se dependentes das vontades das “casas”, não possuindo a capacidade de autodeterminação no próprio planeta. São os Estados invasores que os comandam, à semelhança de como os impérios coloniais controlavam as suas respetivas colónias.
Não obstante, as dinâmicas de colonialismo variam de “casa” para “casa”: A house Atreides é mais complacente com os Fremen, atribuindo-lhes relativa liberdade e aceitando a manutenção das suas comunidades nas Dunas. A house Harkonnen, por sua vez, um regime autoritário, é fortemente repressora, explorando sem hesitação o povo de Arrakis e exterminando quem se oponha à sua liderança.
Os fanatismos e o perigo do falso Messias:
Em Dune: Parte II, a religião e a profecia adotam um papel colossal no desenvolvimento da história. Se, de forma mitigada, as crenças e os desejos podem servir de suporte à esperança, sentimento indispensável em povos que procuram a libertação e a paz. No entanto, em demasia, tudo é negativo, e quando as convicções se exacerbam o fanatismo emerge, e os perigos evidenciam-se.
É isto que acontece com os fundamentalistas do povo Fremen. A promessa de liberdade, invocada por um suposto Messias, Paul Atreides, o personagem principal de Dune, foi demasiado tentadora, embora não se aparente muito promissora para os restantes Fremen. Sem hesitação, aceitaram obedecer às suas orientações, e o povo pode, num futuro próximo (que será retratado no próximo filme, curiosamente intitulado “Dune Messiah”), perder a sua essência e ver perpetrada a sua condição de explorado.
Há muito mais a falar de Dune. É uma história única e complexa, que, implicitamente, critica muitos dos males e perigos que proliferam no nosso mundo. A sua visualização é recomendada, e apela-se ao espetador que deslumbre este filme com o seu espírito crítico totalmente apurado, para que entenda verdadeiramente todos os seus magníficos pormenores.