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RIsistência

A atualidade é marcada pela instabilidade politica, económica e social. Como tal, torna-se imprescindível fazer ouvir a nossa voz. Porque a democracia é do povo e para o povo, o NERIFE / AAC, como fiel defensor dos Direitos Humanos, criou a RIsistência. Este projeto visa dar voz a quem de direito: a comunidade estudantil e todes que queiram compartilhar as suas histórias e testemunhos.

 

Todos os meses serão lançados vídeos, que visam consciencializar a população de assuntos importantes para a sociedade como um todo. Paralelamente, no website do NERIFE/AAC será publicada a definição dos principais conceitos de cada edição, bem como testemunhos concretos.

 

Contra a condescência seremos a RIsistência, junta-te a nós!

A atualidade é marcada pela instabilidade politica, económica e social. Como tal, torna-se

RIsistência

1ª Edição | Linguagem não binária

A primeira edição do RIsistência focou-se na linguagem neutra, ou linguagem não binária. Para tal, esclarecemos alguns conceitos chave relacionados com este tema.

 

Linguagem neutra

A linguagem neutra é necessária na sociedade para referirmo-nos a alguém sem pressupor um género, tornando-se algo importante para as pessoas não-binárias que são muitas vezes excluídas pelo género binário gramatical do seu idioma. Muitas pessoas pensam que a “Linguagem Neutra em Género” só pode ser usada para pessoas não-binárias, quando, na verdade, esta pode ser usada por e para qualquer pessoa, independentemente do seu género (Valente, 2020):

  • “A representatividade das pessoas não-binárias deve ser respeitada. Elus tem o direito de ter o seu próprio pronome e terminações neutras no idioma.” (Valente, 2020)

 

Sistemas de linguagem (e/u, x ou @)

O uso de “x” ou “@” no lugar de “a” ou “o” não funciona na linguagem oral. Por esta razão que o sistema de “Linguagem Neutra” é necessário. A substituição por “x” ou “@” também discrimina pessoas com certas deficiências, por exemplo as pessoas com deficiências visuais que utilizam programas de leitura através de som, assim como indivíduos com dislexia (Valente, 2020).

 

Linguagem inclusiva

A Linguagem inclusiva é uma forma de linguagem que engloba todas as formas de tratamento, de forma equitativa.

 

Identidade de Género

A identidade de gênero é o gênero no qual cada pessoa se identifica:

  • Gender identity is broadly defined as an inner sense of who we are. However, this inner sense of personal identity does not exist in isolation from the world around us, because the inner sense of the self is influenced by many aspects of their lives. Gender identity is a sense of who we are, in relation to this broader idea of gender in the world we have come into (Iantaffi & Barker, 2018).

  • Gender identity is a person’s internal sense of their own gender. Importantly, this may differ from the way they express their gender externally with clothes and other aesthetic trappings; it may also differ from the gender other people perceive them as, or the gendered roles they are expected to play in their life. As a result, you can’t necessarily tell someone’s gender identity just by looking at them. The term “gender identity” has fallen of favor with some trans people, who argue that it implies their gender is something they “identify as”, rather than something they simply are (Sloan, 2022).

 

Expressão de Género

A expressão de gênero é o jeito que a pessoa comunica o seu gênero para o mundo, através de roupas, maquiagem (ou a falta dela), pêlos corporais (ou a falta deles), moda, jeito de falar, e outras formas de se expressar externamente . Apesar de a expressão de gênero de uma pessoa te dar uma dica de qual é sua identidade de gênero, não necessariamente a história toda é contada, principalmente se uma pessoa ainda não sabe como se identifica ou se seu gênero existe além de características de gênero facilmente reconhecíveis (Sloan, 2022):

  • Gender expression is usually how someone’s inner sense of self is expressed outwardly. People around might often make assumptions about someone’s gender identity based on their gender expression, even though they may or may not match up (Iantaffi & Barker, 2018).

 

Heterossexualidade

Uma pessoa heterossexual pode ser um homem que é exclusivamente atraído por mulheres ou uma mulher que é exclusivamente atraída por homens (Sloan, 2022):

  • The idea of heterosexuality is less than 200 years old, before that, it was not widely known or accepted that human beings could be classified according to their pattern of attraction (Sloan, 2022).

 

Homossexualidade

As pessoas homossexuais sentem atração exclusivamente pelo seu próprio gênero. A palavra “gay” é usada na maioria das vezes associada a homens homossexuais em particular, porém pessoas de outros gêneros também podem se identificar como gay. A homossexualidade há muito tempo é estigmatizada e até criminalizada em vários lugares, e foi falsamente designada como doença mental no “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders” até 1973. O gay right movement vem lutando contra a discriminação e a homofobia por décadas. Atualmente algumas pessoas utilizam a palavra “gay” como um termo para uma série de identidades não-heterossexuais, similar ao termo “queer” (Sloan, 2022).

 

Sexualidade lésbica

A sexualidade lésbica parte, geralmente, de uma mulher que sente atração exclusivamente ou predominantemente por outras mulheres. Outros tipos de pessoa as vezes se identificam como lésbicas, incluindo algumas pessoas não-binárias e pessoas trans masculinas, pois se alinham politicamente ou socialmente com a comunidade lésbica. Lésbicas recebem menos representação na mídia comparado com os homens gays, e as representações que existem são muitas vezes hipersexualizadas ou baseadas em estereótipos homofóbicos (Sloan, 2022).

 

Bissexualidade

Bissexual  é a pessoa que sente atração por dois ou mais gêneros, não necessariamente na mesma medida ou de jeitos idênticos. Há uma concepção errónea de que ser bissexual significa ter atração por homens e mulheres somente, mas muitas pessoas bissexuais sentem atração por pessoas não-binárias. Estudos atuais estimam que 2-3% da população se identificam como bissexuais. Bissexuais lidam com problemas únicos que não são muito experienciados por gays e lésbicas, como por exemplo, terem sua sexualidade “apagada” ou escutarem que precisam “escolher um lado”. Mulheres bissexuais são muitas vezes objetificadas sexualmente, ou sendo vistas como heterossexuais na verdade, enquanto homens bissexuais são altamente estigmatizados e muitas vezes vistos como sendo gays (Sloan, 2022). 

 

Panssexualidade

Uma pessoa pansexual sente atração por vários gêneros, ou por pessoas independentemente do gênero. Este termo é considerado mais inclusivo para pessoas trans e não-binárias do que a bissexualidade. A diferença entre bissexualidade e pansexualidade aponta assenta num maior número de semânticas e auto-identificação, sendo que algumas pessoas consideram os dois termos permutáveis (Sloan, 2022).

 

Queer

Mesmo já tendo sido considerado um insulto contra pessoas gays, o termo queer é hoje usado pela comunidade LGBTQ+ como um “termo guarda-chuva” que engloba todas as pessoas não-heterossexuais (e, às vezes, não-cisgênero). Algumas pessoas identificam-se como queer pois sentem que nenhum outro termo de sexualidade ou de gênero captura totalmente a amplitude da sua existência. A comunidade queer é por vezes considerada mais radicalmente de esquerda que a comunidade gay “mainstream” (Sloan, 2022).

 

Assexualidade

As pessoas assexuais (que são parte de, pelo menos, 1% da população) experienciam pouca ou nenhuma atração sexual. Ainda não há muita consciência da assexualidade, em parte devido à sua pouca representação nos “mainstream” media (Sloan, 2022). É preciso não confundir assexual com assexuado, já que esta nomenclatura não só não é a correta, como possui uma carga pejorativa para com a sexualidade e a identidade da outra pessoa (Chen, 2020).

 

Para aprofundar esta temática, contamos com o testemunho e contributo de pessoas não binárias, que podes assistir no nosso Instagram.

Referências

  • Chen, A. (2020). Ace: What Asexuality Reveals About Desire, Society, and the Meaning of Sex. Boston: Beacon Press.

  • Iantaffi, A., & Barker, M-J. (2018). How to understand your gender: A pratical guide for exploring who you are. London: Jessica Kingsley.

  • Sloan, K. (2022). 200 Words to Help You Talk about Sexuality & Gender. London: Laurence King.

  • Valente, P. (2020, Abril 13). Sistema Elu, Linguagem Neutra em Género. Dezanove. Disponível em: <https://dezanove.pt/sistema-elu-linguagem-neutra-em-genero-1317469>. Acedido a: 24 Out. 2022.

2ª Edição |  Romantização dos Descobrimentos e da Colonização na sociedade portuguesa

Embora os impérios europeus sejam hoje só capítulos em pesados livros  de história, a memória e o legado do imperialismo ainda repousam sobre as nações, mantendo vivo todos os fantasmas do colonialismo, e produzindo uma romantização dos descobrimentos.

Em Portugal, a romantização dos descobrimentos constrói essencialmente o próprio imaginário nacional, deturbando aquilo que foi um processo extremamente violento contra os mais variados povos.

O 2º edição do RIsistência tem como objetivo perceber este fenómeno e dissecar numa perspetiva crítica a romantização dos descobrimentos e da colonização na sociedade portuguesa. Para tal, esclarecemos alguns conceitos chave relacionados com este tema.

 

Descobrimentos

O primeiro conceito a abordar deve ser justamente o dos descobrimentos e entender o contexto e o significado desta palavra tão vulgarmente usada.

Os descobrimentos expressam uma ideologia, uma justificação exaltada da expansão imperial dos Estados europeus além das suas fronteiras. A noção de descobrimentos exprime como algo benévolo intrínseco à descoberta e globalização de novos conhecimentos, povos e territórios. Apesar disto, os descobrimentos, na verdade, são um produto das necessidades e problemas materiais e sociais dos Estados europeus.

 

Colonialismo

O colonialismo designa o processo de ocupação e conquista de um território alheia, mas também a reconstrução hierárquica destas mesmas regiões colonizados sob a liderança do colono, este maioritariamente homem, branco e proprietário. O Colonialismo não consiste só num ato de agressão e dominação direta, mas inclusive a criação de discursos e realidades para a manutenção da exploração e divisão dos povos colonizados.

 

O Racismo e a Ideologia Colonial

Dentro da ideologia colonial, o racismo emerge para reforçar e justificar a exploração dos povos com base em esquemas artificias de superioridade de certas “raças” sobre outras. O racismo está intimamente relacionado com a expansão colonial e com a romantização dos descobrimentos, dado que transmite uma ideia de excecionalidade europeia sobre os outros povos.

4ºLusotropicalism

Noção criada pelo intelectual brasileiro Gilberto Freyre e adotada pelo Estado Novo, que imprime um falso carácter benévolo e quase civilizador no papel dos portugueses na colonização da América, exaltando a aptidão portuguesa para se relacionar com os novos povos e territórios colonizados

 

Padrão dos Descobrimentos  

Monumento construído durante a ditadura fascista reforçando o carácter colonial do imaginário nacional através de uma exaltação mistificada do que foi a expansão marítima.

 

Massacres e Violência em África

Em Portugal, existe uma falsa imagem que a colonização portuguesa foi meiga para com os povos colonizados, porém, esta perceção não encontra respaldo na realidade. A África portuguesa foi palco de inúmeros massacres contra o povo africano, podendo ser destacados: O massacre de Batepá (1953), em São Tomé e Príncipe, o massacre de Pindjiguiti (1959), em Bissau, o massacre de Mueda (1960), em Moçambique, e o massacre de Wiriamu (1972),

 

Movimentos de Libertação Nacional

A ocupação europeia da África foi profundamente violenta e racista, despojando os povos da sua liberdade. Em resposta à violência europeia, os povos africanos construíram frentes e movimentos para lutar pela sua independência e autodeterminação, expulsando os europeus de África, abrindo caminho para a construção de novos Estados africanos.

Citando Sérgio Godinho em Independência: “Africa é todos africanos, já chegam 500 anos”. Se não fosse pela força e coragem do povo angolano, moçambicano, guineense, ect, Portugal nunca teria descolonizado. África não é nossa, é do povo africano.

 

Para aprofundar esta temática, contamos com o testemunho de alguns profissionais na área, tal como Miguel Cardina, investigador no Centro de Estudos Sociais, que podes ver no nosso instagram, e o professor na FEUC Miguel Borba de Sá.

Descobrimentos, encobrimentos e enfrentamentos

por Miguel Borba de Sá 

 

A maneira pela qual ensina-se a história da colonização certamente influi bastante no modo como as gerações futuras, tanto nas ex-metrópoles como nas antigas colônias, podem interpretar o passado para agir (ou omitir-se) sobre o presente. No entanto, os currículos escolares não são os únicos instrumentos pedagógicos disponíveis. Os ‘lugares de memória’, como os denominou o historiador Pierre Nora, também funcionam como poderosos dispositivos de transmissão de mentalidades e relações de poder. Em Portugal, até hoje existe o ‘Padrão dos Descobrimentos’ na capital do país, erguido no local de onde saíram as caravelas conquistadoras do mundo colonial. Em cidades como Coimbra, estátuas como aquela em homenagem aos ‘Heróis do Ultramar’, localizada de frente a uma das escolas secundárias mais importantes do país, serve como um reforço aos estudantes da narrativa hoje conhecida como ‘complexo do salvador branco’, outrora chamada de Missão Civilizatória ou Fardo do Homem Branco, onde vê-se um soldado português com um bebê negro aos ombros. Ambos os monumentos foram erguidos durante o regime fascista português, mas permanecem intocados, ou até melhorados e expandidos, após a transição democrática.

 

Nada disso é exclusividade de Portugal, claro está. Na Espanha, em 1992, manifestantes que protestavam contra a comemoração dos 500 anos da partida da frota comandada por Cristóvão Colombo rumo à conquista da América, foram presos em Sevilha para que não atrapalhassem as solenidades oficiais. Exemplos semelhantes abundam em Paris, Londres e outras capitais imperiais. Do outro lado do Atlântico, as elites criollas também contribuem até hoje para encobrimentos da conquista e recriações de relações coloniais – colonialismo interno, diria Pablo Casanova - como no caso do Brasil, onde o 12 de Outubro foi transformado em feriado católico nacional, enquanto no restante da América Latina é um dia de luta contra a data que marca o início da conquista e do genocídio, tal qual o Nakba de 15 de maio é para o povo palestino: o dia da catástrofe. Não surpreende que este seja o país que, junto a Cuba, manteve por mais tempo a escravidão, herdada do período colonial, mas aprofundada e defendida com afinco após a independência pela própria elite local.

 

Uma elite que se forma como primordialmente isto: uma elite. Antes de entender a si mesma como parte de uma comunidade política, enxerga apenas seus interesses imediatos de classe (dominante). Novamente, não é surpresa que países como Brasil, Argentina ou Costa do Marfim tragam no próprio nome a sua ‘vocação’ mercantil como fornecedores de matérias-primas valiosas dentro de uma Divisão Internacional do Trabalho que parece já estampar seu destino periférico no próprio nome de tais países. Um verdadeiro caso de nation-branding de sucesso, no jargão atual dos teóricos do marketing político. Abordagens mais sérias, tal como a sugerida pelo magnífico historiador Caio Prado Júnior (ele mesmo proveniente de uma grande família da elite paulista, mas que transformou-se em um traidor de classe ao ingressar no Partido Comunista), sugerem que a formação do Brasil contemporâneo assemelha-se mais à criação de uma empresa multinacional do que a construção de uma coletividade nacional. E isto deixa efeitos históricos impossíveis de encobrir.

 

Há casos ainda mais explícitos nos quais o nome pessoal do conquistador é expresso diretamente no do país, como mostra a Colômbia (em alusão a Cristóvão Colombo) ou a antiga Rodésia, atual Zimbabwe (neste caso, em referência ao magnata imperialista britânico Cecil Rhodes). De todo modo, tais exemplos ajudam a perceber que não é preciso anos de ‘aprendizagem’ colonial durante o percurso escolar (ainda que este seja muito importante para o aprofundamento do problema) para que a mentalidade colonial seja inscrita na própria identidade nacional, sendo impossível nominar a sua própria nação sem reforçar tal condição. Ainda que países como a Bolívia tragam no nome a referência ao ‘libertador’ (Simon Bolívar), é preciso ter em conta o colonialismo interno praticado pelos Libertadores da América e seus herdeiros políticos. Via de regra, o que fizeram foi o possível para encobrir as raízes indígenas e negras de suas populações na vã tentativa de erguer uma sociedade civilizada, i.e., à imagem da Europa, nas jovens nações independentes. Neste gesto, repetiram a prática colonial ibérica de suceder com encobrimentos culturais os chamados descobrimentos territoriais, como expresso na Catedral de Cuzco, no Perú, erguida sobre importante templo da civilização Inca.

 

Por tais razões, é preciso ampliar o leque de lutas descolonizadoras para além do mundo escolar e universitário, pois é no cotidiano e naqueles gestos, palavras e omissões que já nos parecem naturais que a colonialidade demonstra sua resiliência. As pistas oferecidas por pensadores como Enrique Dussel nos convidam a ‘des-cobrir’ toda aquela riqueza social, cultural e política – ou seja, humana – que foi encoberta pelos descobrimentos, ou melhor, pela ‘Conquista da América’. Uma conquista que não foi somente militar, como nos mostrou Tzvetan Todorov, mas antes de tudo epistêmica, cognitiva e espiritual. E um encobrimento que não ficou limitado aos monumentos em solo latino-americano, mas que também se reproduz até hoje também no mundo europeu, para muito além dos manuais escolares.

 

Frente a este quadro, é crucial seguir lutando em duas frentes, dentro e fora dos ambientes de ensino e pesquisa. Tão importante quanto descolonizar o conhecimento escolar é levar a sério colocações como aquela feita por Evo Morales, primeiro presidente indígena de países colonizados na América, durante a cimeira da União Europeia, na qual o convidado causou constrangimento ao afirmar que a “dívida externa” de países como o seu deveria ser revertida em reparações pela “dívida colonial” da qual os povos do Sul global são os verdadeiros credores. A inversão do ônus colonial é uma marca dos processos de descolonização. Jean-Bertrand Aristide também o sabia, mas a sua busca por reparações coloniais que a França deve ao Haiti (cerca de 20 bilhões de dólares) custou-lhe um golpe de Estado e forçou-lhe a um segundo exílio forçado longe de seu país. Sem uma decidida tomada de posição em situações concretas como estas, e muitas outras, onde estão em jogo forças anticoloniais versus neocoloniais, toda descolonização curricular tende a ser letra morta, ou mero gattopardismo intelectual: mudar tudo para que tudo permaneça como está.

 

Em suma, as transformações na escrita da História possuem um valor inestimável, especialmente quando transbordam os muros da escola e das universidades. Um exercício praxiológico interessante pode começar nas páginas dedicadas ao descobrimento da Península Ibérica pelos mouros - em vez de ‘invasão’ - o que torna inviável a própria ideia de reconquista. Será imaginável um monumento erguido em homenagem ao ‘Descobrimento de Portugal’ pela expansão dos califados islâmicos, ao lado da Torre de Belém? Tais propostas soam como absurdas justamente porque desafiam o regime de verdade hegemônico e tido como natural, mas podem servir àqueles e àquelas que, em Portugal, queiram participar do esforço comum de descolonização a partir desta tentativa da colocação de si próprios no lugar do Outro que é ao mesmo tempo descoberto e, portanto, encoberto. Na falta de um sem- número de adesões voluntárias a este projeto, restará o enfrentamento ao descobrimento feito sobretudo fora do mundo acadêmico, mesmo causando pavor a membros deste, como foi o caso da recente exposição no Museu de Arte, Arquitectura e Teconologia de Lisboa (situado na mesma orla da Torre de Belém e do Padrão dos Descobrimentos), onde uma das obras do artista brasileiro Rodrigo Saturnino, conhecido como ROD, trazia os dizeres: “Não foi descobrimento, foi matança”. Um sinal da urgência, portanto, de se des-cobrir, para que pare-se de encobrir as relações de poder constitutivas das realidades colonial e pós-colonial.

Referências:

  • Casanova, P. (2007) “Colonialismo interno: uma redefinição”. In: Borón, A. et al (orgs). A Teoria Marxista Hoje: Problemas e Perspectivas. Buenos Aires: CLACSO.

  • Dussel, E. (2005) “Europa, Modernidade e Eurocentrismo”. In: Lander, E. (org.). A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais – Perspectivas Latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO.

  • Nora, P. (1993) “Entre História e Memória: A Problemática dos Lugares”. História e Cultura, vol. 10, pp. 7-28.

  • Prado Júnior, C. (1942) Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Brasiliense. Todorov, T. (1983) A Conquista da América: A Questão do Outro. São Paulo: Martins Fontes.

3ª Edição |  Especial Natal

A terceira edição do RIsistência é um especial de Natal, que reflete sobre a solidão vivida por muitos nesta época. Para tal, pretendemos consciencializar a população de que existem iniciativas de apoio às pessoas que se sentem sós e tristes, seja no Natal ou no resto do ano.

 

A nossa bolha de conforto

De mãos dadas com a chegada do mês de dezembro temos a chegada da época natalícia. Com ela regressam também a iluminação característica, os pais-natais, os mercados de rua e as montras enfeitadas a rigor... Na azáfama dos jantares, dos secret santa, dos doces e dos presentes, há uma tendência a ignorar aquilo que se encontra fora da nossa bolha de conforto.  

Na comodidade das nossas casas, com aquelus que nos são mais próximos, muitas vezes não nos lembramos de quem tem uma época festiva diferente da nossa. O que diriam aquelus que estão em hospitais, lares de idosos, ou mesmo as pessoas cujo país está em conflito armado? A realidade é que raramente nos colocamos no lugar destas pessoas.

Que nesta altura de materialismo desenfreado, nos lembremos dos dez milhões de pessoas em risco de morrer ao frio na Ucrânia, da população da Somália em risco de morrer à fome e dos mais de dois milhões de portugueses a viver abaixo do limiar de pobreza, entre tantos outros.

 

A solidão

Na realidade, 1 em cada 5 pessoas sente-se sozinha nesta época, ainda que estejam rodeadas de família e amiges. A solidão caracteriza-se por um sentimento subjetivo, ou seja, mesmo com contactos sociais, é possível sentir solidão.

Atenção, estar sozinhe não é sinónimo de solidão! Podes sentir-te bem estando a sós, uma vez que a solidão depende das expectativas que colocamos nas interações que temos com as outras pessoas. É na faixa etária dos 30-49 anos que se verifica a maior taxa de solidão. Em Portugal, os números têm aumentado exponencialmente, passando de 6,6% em 2016 para 21,9% em 2020.

As redes sociais aumentaram o sentimento de solidão entre os mais jovens, uma vez que, apesar de existirem conversas, estas não são dotadas de riqueza sensorial.

A solidão e o isolamento sociais podem ter efeitos negativos na saúde física e mental. Não há fatores de risco, sendo que qualquer pessoa, mesmo com alta atividade social, pode sentir-se só. Todes podemos ajudar nesta questão e fazer os possíveis para a amenizar. Podemos ser atives no combate à solidão, trabalhando para alterar as estatísticas. Desta forma, se te sentires só, apresentamos algumas linhas de apoio e prevenção:

  • SOS ESTUDANTE

Horário: 20h – 01h00

Contacto: 915 246 060 | 969 554 545 | 239 484 020

 

  • SOS VOZ AMIGA

Horário: 16h00 – 24h00

Contacto: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660

 

  • CONVERSA AMIGA

Horário: 15h00 – 22h00

Contacto: 808 237 327 | 210 027 159

 

  • VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL

Horário: 16h00 – 22h00

Contacto: 222 030 707

 

  • TELEFONE DA AMIZADE

Horário: 16h00 – 23h00

Contacto: 222 080 707

 

A solidariedade na História 

No meio dos terríveis factos que a Primeira Guerra Mundial nos impõe, há um particularmente singular que se destaca dos restantes. Trata-se de uma série de armistícios informais que ocorreram entre 24 e 26 de dezembro de 1914, por parte dos soldados alemães e britânicos. Com o passar dos anos, este acontecimento tem vindo a ser exagerado. No entanto, não é de ignorar este ato de fraternidade e solidariedade dos soldados.

 

"Acho que assisti hoje a um dos espetáculos mais extraordinários que se pode imaginar. Por volta das 10h da manhã, vi do meu posto de observação um alemão que agitava os braços e mais dois que saíam das suas trincheiras e se dirigiam a nós. Íamos disparar sobre eles, quando notámos que estavam desarmados; de modo que um dos nossos homens foi ter com eles, e dois minutos depois soldados e oficiais saíam das trincheiras dos dois lados, apertavam-se as mãos e desejavam uns aos outros Feliz Natal".

- Carta de Alfred Dougan Chater à sua mãe

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