Por Carolina Duarte
13 de dezembro de 2023
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“Lolita” de Vladimir Nabokov é um conto de alerta sobre violação, aliciamento, manipulação e, eventualmente, incesto. O livro é baseado numa história real e leva-nos através da vida de Humbert Humbert, que escreve a sua biografia na sua cela da prisão. O livro está dividido em duas partes, cada uma com cerca de 30 capítulos, e utiliza uma linguagem bastante rica, indicadora da educação de Nabokov, e persuasiva, indicadora da característica manipuladora da personagem principal.
Humbert Humbert conta-nos a sua vida até ser preso. Começa por referir a sua infância e a sua primeira paixão, Anabela, a qual considera ter sido o gatilho para a sua atração por raparigas mais jovens. Depois do seu casamento mal acabado, com uma mulher por ele considerada irrelevante, Humbert parte para os Estados Unidos, onde conhece Lolita. Fica obcecado com a jovem, desejando tornar a sua relação mais do que platónica. Após a morte da sua mãe, com quem Humbert apenas se casou para ficar mais próximo da filha, a personagem força Lolita a ter relações sexuais. Assim, Humbert e Lolita embarcam numa viagem pelos Estados Unidos, ficando sempre à margem da sociedade, o que lhe permitiu realizar o que queria, apesar de Lolita o começar a chamar de “pai”. A certa altura eles estabelecem-se numa cidade, o que faz com que ele perca o controlo que tinha sobre Lolita e que despoleta toda a ação final, ou seja, o rapto de Lolita e consequente morte do seu captor.
Todo o livro está escrito na primeira pessoa e, ao atribuir aos leitores o papel de júri da sua vida, Humbert começa a desenrolar com uma linguagem bastante habilidosa tudo o que considera ser importante para chegar ao ponto que chegou. Por isto, o personagem principal torna-se num narrador pouco confiável, fazendo-nos ver tudo através da sua perspetiva, numa tentativa de fazer o leitor declarar a sua inocência.
Desde o início deste clássico que Humbert admite a sua “atração” por raparigas mais novas, principalmente na faixa dos 9 e os 14 anos. No entanto, ele coloca essa atração num patamar mítico, chamando às raparigas por quem se sente atraído sexualmente “ninfitas” e descrevendo-as da seguinte forma: “Entre os limites etários dos nove aos catorze anos ocorrem donzelas que, a certos viajantes enfeitiçados, duas ou muitas vezes mais velhos do que elas, revelam a sua natureza, que não é humana, e sim ninfita (isto é, demoníaca) – criaturas eleitas que me proponho a designar por ninfitas”. Através desta frase, Humbert coloca em ação todo o precedente da história, tentando convencer-nos de que é ele o enfeitiçado e vitimizado, não o contrário. Tendo isto ciente, também tem sempre o conflito moral entre o “certo” e o “errado” em mente, já que tenta sempre justificar as suas ações com atos históricos ou de outras culturas.
Antes de conhecer Dolores - Lolita - Humbert dá-nos a ideia que nunca terá agido sobre os seus impulsos pedofílicos de forma explícita, só começando a realmente dar-lhes corda com Dolores. Como Lolita é classificada como ninfita, ela deixa de ser uma pessoa para Humbert, tornando-se apenas numa ideia fantasiada que tem dela. Ela é sempre descrita como a criança que é, com as suas brincadeiras e comportamentos inocentes (brincar na lama, tirar macacos do nariz, desobedecer à mãe, entre outros), mas isso não impede de ver nas suas ações um cariz sexual bastante proeminente. Uma vez que o narrador não é confiável, fica a dúvida se realmente Lolita se insinuava para Humbert ou não, no entanto, as rápidas mudanças de humor descritas e a sua idade indicam que ele se tenha aproveitado dela. A personagem refere várias vezes, com algum gozo, a sua capacidade de manipular e enganar médicos, o que nos leva a perceber quão perigoso era. A forma como ele se refere a Dolores, Lolita, através do nome que ele lhe atribuiu, mostra o seu pensamento extremamente possessivo, que não a via como um ser humano completo, mas apenas como a realização das suas mais desejosas fantasias.
No geral, a obra está bastante bem escrita, por mais que às vezes se torne um pouco maçadora com todas as descrições, ilustra exatamente a forma como os pedófilos e violadores convencem a sociedade de que eles não são os reais autores dos seus crimes, mas sim as vítimas. A forma como este clássico está escrito leva o leitor a ser mais facilmente persuadido, acreditando que a realidade se passou como Humbert a descreve, o que certamente não é o caso. Mesmo assim, a linguagem floreada e extremamente poética deste conto faz com que até as pessoas mais enojadas com as ações de Humbert o continuem a ler, pois de certa forma acaba por amaciar a crueldade das ações. O livro em si não é extremamente fácil de ler, mas depois dos primeiros capítulos lê-se com bastante rapidez. Para o perceber é necessário alguma maturidade, tendo em conta que os tópicos abordados são bastantes sérios e contados de forma muito parcial e de uma perspetiva muito pouco vista noutros livros. É claramente, um conto de alerta, que nos mostra a realidade de uma das formas de como o abuso pode acontecer. Mesmo assim, a história é extremamente perturbadora num bom sentido. Se se conseguir ver para além das palavras manipuladoras de Humbert Humbert consegue-se ver como as ações do mesmo são extremamente repugnantes, e de certa forma começa-se a apreciar a maestria de Nabokov perante esta personagem, as suas ações, e o conto em si.